quinta-feira, 20 de agosto de 2020

O fim da humanidade (seria meu sonho?)

 Não vou reescrever este livro. Não vou mudar nada. Nem as palavras, nem o tom. Nada do que eu escrever será apagado, ainda que eu me arrependa. Faz parte da vida fazer merda e esse livro é uma grandessíssima merda.

Amanheci o dia como tenho amanhecido há muitos dias: desgostosa. Sou linda (gosotosa pra caralho, puta mulherão da porra!), saudável e, como dizem, devia ser grata por estar viva. Tenho uma tatuagem no punho esquerdo que diz "nobory said it was easy", mas, porra... Ninguém disse que eu ia me foder tanto.

Não estou reclamando do que tenho na vida. Estou reclamando da vida em si. Quem escolheu essa merda? Por que diabos tomaram essa decisão por mim? Por que eu tive que vir a esta festa de merda? Alguém pensou que eu poderia não querer estar aqui? Não. Foda-se essa garota, a decisão é nossa.

Queria fingir que não sei do que estou falando. Mas eu sei. Estou falando dos meus pais. Estou falando da péssima decisão que eles tomaram ao me trazer para esse mundo. E não acho que seja uma decisão ruim porque sou tóxica e amarga. Acho uma puta duma decisão ruim do caralho amar alguém e, apesar disso, querer que ela viva no inferno que é a humanidade; só para você dar corpo à sua vaidade de ter uma prole.

Mas que merda mórbida. Adorei. Conta mais.

Essa sou eu falando comigo mesma. Demorei 29 anos para escrever um livro e decidi fazer isso em um dos piores dias. É sempre assim, sempre assim que tomo a decisão de escrever.

Estou num daqueles dias comuns na minha vida, em que acordo pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. Tive um sonho ótimo e ia tudo bem, até que decidi ver um filme na Netflix antes de levantar da cama e ser útil para alguma coisa. Escolhi mal. Ou melhor, escolheram mal por mim, como sempre. Eu tinha dito querer ver "As vantagens de ser invisível" (jurava ser um filme de comédia) e meu marido quis me agradar me trazendo café na cama - as rosquinhas de coco que pedi, o pão com maionese que foram uma ótima ideia dele, e café puro como de costume - e colocando o filme que eu queria ver. Merda! Merda, merda, merda de decisão ruim. Não era um filme de rir. Era uma daqueles filmes de chorar. Merda, merda, merada!!! Eu estava segurando estas lágrimas há semanas.

Há semanas eu me convencia de que seria besteira chorar por exatamente nada. Nada mesmo, chega a ser patético. Que inferno é esse? Tá bom, estou meio fodida de grana. Gastamos mais do que podemos pagar e eu (sempre) coloco a culpa disso no meu marido, já que minha cabeça e coração são bons em me convencer de que faço tudo certo na maior parte do tempo. Mas, no geral, estamos bem. Tenho saúde, tenho um emprego, tenho um teto sobre minha cabeça, e tenho grana suficiente para não passar fome e para poder tomar um banho quente. Que caralhos! Tenho internet, pelo amor de Deus! O que mais eu poderia querer?

Nada. E essa deve ser parte do problema. Não quero nada. Como pode uma pessoa viver sem sonhar? - algum poeta já deve ter escrito isso. Pois olhem para mim. Eu sonho, claro, mas somente aquele tipo de sonho de quando se dorme. Eu fecho os meus olhos, fico inconsciente e, então, me vêm imagens à cabeça, Quando durmo, entende? Eu não sonho quando estou acordada, daquele tipo de sonho que se confunde com ambição. Eu somente sonho aqueles sonhos que se confundem com alucinação. Daqueles que somem se você tomar um remédio forte o suficiente.

Me perdi. Tive que voltar ao fim do parágrafo anterior para lembrar de que estava falando. Confesso: estou levemente bêbada. Mas hoje eu mereço.

Meu marido têm feito umas comidas diferentes por estes dias. Hoje fez salmão, em cama de shimeji e cebola, ao forno. Ficou deliciosos. Daí tomamos vinho branco meio seco e cá estou: alcoolizada. Pela tarde ele me convenceu a sair da cama. Acordamos tarde, por volta das onze da manhã. Depois do filme, quando a compulsão por chorar me tomou, queria ficar sozinha por 5 minutos, mas não disse nada a ele. E ele, que não tinha como adivinhar, ficou sentado aos meus pés, dizendo coisas que deveriam fazer com que eu me sentisse melhor. Lembro dele me perguntando se o amo. Sim, amo.

É errado sentir pena de quem tenta te fazer feliz?

Ele é bom nisso, sabe? Agora mesmo, está do outro lado do monitor, em seu próprio computador, no Twitter eu acho, concentrado e lindo. Há pouco me perguntou o que eu estava fazendo, genuinamente interessado e provavelmente preocupado com o volume de digitação. Ele sabe que não estou nas redes sociais. E ele sabe que não digito coisas boas rápido assim. Provavelmente não vai me dizer isso. (Eu ia escrever "obviamente", mas, vai que... Ele vive me surpreendendo, afinal). Só escrevi essa parte porque acho que ele vai acabar lendo. Não quero parecer ingrata.

Me perdi de novo.

Lembrei. Estava dizendo que hoje cedo tive uma crise tremenda. E tive que ser convencida pela pena a me levantar da cama. "Pena de si mesma, Sílvia?". Definitivamente, não. Pena daquele rosto, não sei, preocupado? Incrédulo? Envergonhado? Não sei mesmo. Mas tive pena do rosto do Rubens. Ele estava tentando me fazer sentir bem/parar de chorar/levantar para ir ao mercado. Sim, era assim que os pensamentos passavam na minha cabeça. Fiquei tão incomodada com tantas possibilidades e com a vergonha de estar ali reclamando de uma vida relativamente boa, que resolvi me levantar.

Pedi para ele me deixar tomar um banho. Queria aqueles meus cinco minutos de solidão para poder chorar sem timidez. Não tive. O choro. Não tive o choro. Tive cinco, quinze, sei lá, vinte minutos de solidão (solidariedade). Mas não tive lágrimas.

A água reorganiza meu pensamento. Meio doido isso. Mas chuva e banho me reorganizam. Ridículo. A água salgada poderia descer enquanto a água doce descia, mas meu corpo não quis. Meu cérebro não quis. Eu quis, mas o resto e mim não quis. Daí não chorei. Fiquei lá, sob a água, me obrigando a pensar naquelas mazelas que tinham me feito desmanchar há minutos atrás. Nada. Nenhuma gota além das providas pela Sabesp.

Patética!

Há pouco o Arthur me ligou. Arthur Teles. A voz dele está mais "viada" do que eu me lembrava. Me ligou porque eu fiz um discursinho suicida nas mensagens que mandei pelo Whatsapp. Eu também teria ficado preocupada. Mas, com toda a certeza, não teria ligado. Sou esse tipo de péssima amiga que não gosta de falar ao telefone.

A tarde, assim que tomei banho, saí pela casa nua, com a toalha enrolada na cabeça para secar os cabelos. Pensei em uma foto que ficaria muito boa. Apaguei a luz do quarto e testei a câmera capturando algumas imagens de mim mesma com o celular, até que uma delas ficou como eu tinha imaginado. Mostrei para o Rubens. Postei. 

É engraçado. Eu tinha pensado no Rony quando estava vendo aquele filme idiota. Pensei que, como péssima amiga que sou, há meses não falava com ele. Aquele medo doido de ele ter precisado de mim nesses últimos tempos e eu não ter estado lá pra ele. Vou ser sincera:  medo de ele ter se matado. Eis a graça: ele reagiu à minha foto seminua. Ele e o Franklin. Deu raiva. Sim. Mas que merda.

No fundo, não faz mal ao ego receber um "biscoitinho" de vez em quando. Mas, porra!, achei que ele podia ter se matado. E bastou a possibilidade de uma teta para ele reaparecer? Não me exime do fato de ser uma péssima amiga, mas não posso negar que estou cercada por tarados filhos da puta. 

Vou voltar para reler o que já escrevi. Narrativa mórbida, aposto.

Não, até que ficou engraçado. Ninguém vai entender nada, nem eu no futuro, mas achei graça agora. Álcool? Talvez...

De volta às mazelas: 

Caramba, que doida! Fui fazer xixi e voltei de lá com um enredo de novela. Na cena eu brigava com meu sogro por ele aceitar a nudez de mulheres dos pornôs, mas não aceitar minha nudez na foto que postei pela manhã. "- Mas elas são atrizes" - ele disse. "- E quem disse que eu não sou? - digo com a sobrancelha arqueada". Minha cabeça, definitivamente, precisa de uma reforma. 

Vamos lá, de volta as mazelas: por que a humanidade existe? Era nisso que eu estava pensando quando comecei a chorar pela manhã. Assim: "que tipo de deus permite que uma espécie destrutiva, nociva, odiosa continue vivendo no topo da cadeia alimentar?" Eu realmente odeio a humanidade - inclusive o fato de ser parte dela. Eu acredito que não temos nada de bom para oferecer ao planeta, que ele estaria melhor sem nós. Eu considero todas as pessoas modernas que desejam conceber filhos biológicos uns filhos da puta mesquinhos e inconsequentes. Sim, eu os julgo e com o ferro que os firo, ei de ferir a mim mesma. Acredito que a humanidade tem que acabar. Acredito que isso seja a coisa óbvia, a resposta para todas as perguntas. E não consigo compreender quem pensa que ainda há salvação. "Estúpidos!", é como eu chamo as pessoas que dizem que um dia vou querer ser mãe porque, com o tempo, toda mulher acaba querendo ser mãe. Que inferno. Vou poupar sei-lá-quem estiver lendo esse livro da minha militância ignorante, mas: por que diabos essas pessoas ainda acreditam na proliferação de uma espécie idiota dessas?

Fiz essa pergunta nas minhas redes sociais. Letras miúdas naquela minha foto "conceitual". A Vitória respondeu como o esperado; tivemos esta conversa há algumas semanas. A Iris respondeu de maneira sensata. Rony e Franklin responderam, com seus paus na mão, o vislumbre de uma teta desnuda, não à mim. Arthur me ligou. 

Estou ficando com sono. Sei que, quando levantar daqui, nunca mais vou voltar. Sou assim: eu desisto das coisas. 

"A Terra toda é uma ilha (...) meu radinho de pilha". É a parte que ouvi da música que está tocando. "Não há pranto que afague" e algo sobre os olhos e sobre um farol. Sabe Deus por que resolvi escrever isso.

Falando em Deus: essa foi mais uma coisa que passou pela minha cabeça durante meu pequeno surto de hoje cedo. "Deus não existe", pensei olhando para a pena do Rubens, que me dizia como acabou acreditando em Deus e em suas "sábias decisões" após uma adolescência ateia. Sim, doido assim. Tive que me esforçar, agora, para lembrar como cheguei a essa conclusão. Um planeta tão lindo, tão incrível, tão fantástico não merece a humanidade e, se Deus existisse, saberia disso. A humanidade é tóxica. Se eu fosse deus, eliminaria esse erro. 

Estava olhando para o gato no meu colo enquanto devaneava sobre a morte do deus conhecido e tentava me concentrar na fé motivacional do meu marido. Eu realmente não queria que o Rubens lesse isso em meus olhos. Não quando estava se esforçando tanto para dizer algo que me fizesse sentir bem. Agora, pensando que ele pode ler isso a qualquer tempo, achei meio vão não ter olhado-o nos olhos. 

Hoje cedo, como há semanas, estive pensando em como seria fácil desligar minha cabeça, fazê-la calar-se. Morrendo. O melhor amigo do garoto do filme deu em sua própria cabeça um tiro. Seria fácil assim se não fosse necessária (primeiro uma arma e, segundo) tanta coragem. Coisa que não tenho. Fico pensando em quanta merda as pessoas pensariam se eu desligasse minha própria cabeça agora. Minha mãe, por exemplo, egocêntrica como é, acharia que não fez um bom trabalho como mãe e, por chorar tanto e ficar fazendo dramas e barracos por causa da vida nova do meu pai, me deixara desgostosa ao ponto de querer me matar. Faria sentido, então, não posso culpá-la. Meu irmão, crítico como é, passaria o resto da vida pensando em como fui idiota de escolher o inferno pelo suicídio, ao céu pelo mártir; em como faria o mesmo por ter uma vida de merda, mas jamais escolheria isso por não ter a audacidade necessária. Meu pai... Meu pai ficaria puto por não conseguir construir uma história bonita sobre como morri; não tem como embelezar um suicídio. Ele, provavelmente, não contaria a ninguém que estou morta.  Meu marido voltaria derrotado para a casa dos pais, culpando-se por não ter conseguido me convencer a ficar, internalizando o rancor por eu não ter pensado nele antes de fazer isso; dizendo a si mesmo que, a partir de agora, se nada desse certo em sua própria a vida, seria culpa do trauma de ter me perdido tão tragicamente. A Vitória afundaria ainda mais e culparia-se por não ter feito mais, por não ter me aconselhado mais, por não ter percebido, por seja lá que merda ela puder inventar para sentir que tem relevância no que for de mim.

Em suma, se eu resolvesse dar-me de presente um tiro na cabeça, partiria sabendo que foderia com a cabeça de uma galera. Só por isso me foge a coragem. Quando paro na calçada e vejo os carros passarem pelo sinal verde, ligeiros para não perderem o próximo segundo, e não pulo em frente a um deles, é nisso que estou pensando. Quando encaro um desconhecido a minha frente, planejando atacá-lo em defesa de mim mesma e perdendo a luta na ponta de uma faca ágil, perco a coragem ao imaginar quanta merda deixaria para trás.

Quando estou mal, quando estou triste, é comum que pensamentos violentos venham até mim. Tenho um tesão pela ideia de matar alguém. Nunca atoa. É sempre alguém mau, um estuprador, um pedófilo, um ladrão que me aborde num dia ruim, um filho-da-puta-peso-morto-sustentado-pelo-poder-público. Ou meu chefe burro. Acabo de me lembrar que já planejei incendiar uma boa pessoa só por não ser esperta como eu esperaria de um chefe meu.

Intitulei esse texto antes de começar a escrever. Acabei de ler e está ridículo. Claramente estava "idiotamente-bêbada" quando escolhi dar o nome de "Um dia de lágrimas e gatos" a esse texto mórbido. (Risos internos).

Enquanto planejava rir de mim mesma no último parágrafo, Rubens me abraço e perguntou se poderia ler tudo isso aqui.

- Se você quiser...

- Eu vou quer.

- Está bem mórbido.

- Como sempre. Escritora depressiva.

Mentindo ele não está. É só que eu nunca me imaginei escrevendo sobre suicídio. Cara, minha vida é boa, sabe? Eu não quero realmente me matar. Eu só quero 1) desligar minha cabeça e levá-la para o escuro-silencioso ou, 2) deixar de existir. É que parece meio drástico, mas não é realmente.

Agora o álcool se foi e estou voltando a me sentir patética. Já esqueci por que comecei a escrever isso aqui. 

Já chega. Meia-noite e vinte e dois minutos. Hora desse neném gostoso e de unhas pintadas ir para a cama. Eu ia dizer "volto depois", mas estou cansada de mentir para mim mesma só para parecer menos inútil. Só falta mudar o título. Quão mórbida consigo ser? Vejamos...

Meia-noite e cinquenta e dois minutos: terminei de revisar o texto. Como prometido, nada foi apagado. Só minha dignidade (risos internos).

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Um dia e até lá

Um dia eu vou estar lá e você também. Num lugar qualquer, sem importância, sem motivo, sem querer.

Ou, talvez, eu planeje estar lá, você planeje estar lá. Num lugar comum para nós dois, ou num lugar qualquer para qualquer de nós. Um dia estaremos lá.


Não sei bem qual será a minha reação, ou a sua mas, com certeza reagiremos. Nós sempre reagimos um ao outro. Nem sempre de maneira positiva - o que é uma pena já que tínhamos tudo pra dar certo.


Mas não deu. Nos desencontramos, seguimos caminhos opostos, cada qual na sua marcha, no seu perambular.


Mas, quem sabe (eu não), um dia você esteja lá e eu também. Você me veja e eu veja você. Talvez eu lembre, talvez não mas, com certeza, reagiremos. Afinal de contas a indiferença também é uma reação.


Oh não, não me entenda mal. Não estou dizendo que serei indiferente a você, ainda menos que o sou agora.


Digo que talvez, veja bem, talvez seja mais difícil para mim, ou para você, se lembrar. Lá pode ser muito rápido: um relance, um flash, uma foto, um fato. Pode ser muito chato: um trato, um contrato, um contato. Então (confesse que concorda comigo) podemos simplesmente não ter tempo, paciência ou oportunidade de nos lembrar. Somente, com certeza, de reagir.

Bem, pode ser que lá demore. Por hora, fico cá com minhas lembranças, meus arrependimentos, minhas culpas, meu demônios, minhas histórias, minhas vontades, minhas crônicas...


Passe bem e até lá!

Despertei real

Amanheci redundante, com um fôlego quase colérico para ser controversa.

Amanheci sedenta de palavras difíceis e de rostos contorcidos pela confusão.


Despertei em uma profusão de tratamentos essencialmente cordiais, impessoais, literários.


Por falar em literário: abri meus olhos e vi, antes de tudo, os truncamentos dos quais desviaria intencionalmente.


Hoje, acordei indisposta para o lúdico. Em vez disso, expressaria apenas o óbvio.


Ao romantismo, pedi trégua. Sei que mereço. Preterí-lo-ia em favor da pontualidade do raciocínio lógico.


Porque, hoje, me dei o direito de pensar apenas: sem emoção de qualquer tipo, sem tesão, sem 
vitimismo. Sem intimidade, sem luz, sem cor.


Hoje, finalmente, acordei para ficar acordada.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Prometer

“  Significado de Prometer
v.t.
Afirmar, verbalmente ou por escrito (que se há de fazer, dar ou dizer alguma coisa): prometer uma recompensa.
[Figurado] Prenunciar, pressagiar, fazer esperar: o tempo promete chuva.
Obrigar-se a, asseverar: prometo aparecer.
v.i.
Dar esperanças de; oferecer probabilidades de (bom futuro): esta criança promete Muito.

Prometer é uma responsabilidade imensa. Aqueles que recebem uma promessa enchem-se de esperança, que também é uma coisa perigosa.
Uma promessa pode ser feita com um olhar, um sorriso ou uma palavra. A que costuma doer mais é a promessa que vem de uma palavra pois, ninguém espera essa promessa, ninguém sabe lidar com ela. A esperança enche o peito do outro com uma força arrebatadora, deixa o outro sem ar, sem chão e a única coisa que há para segurar é a promessa. No momento em que ela é articulada em palavras, a pessoa deixa de perceber a verdadeira intenção do outro, deixa de perceber os olhos brincalhões, o sorriso cético e os trejeitos debochados, desconecta-se de tudo aquilo que soa como um alarme aos olhos de um espectador atento.
As promessas podem parecer bobagens para aqueles que as faz, mas, nunca será bobagem para aqueles que a ouvem. Isso deixa a o ouvinte em um estado de torpor, leveza, alegria e ansiedade.
Uma promessa feita como que sem querer, ou com carinho, têm sim o poder de deixar alguém feliz, por dias, anos, até que esse alguém entenda que essas promessas não são nada mais que uma frase qualquer, dita na empolgação de uma boa conversa, ou na tentativa desesperada de mudar de assunto. Todos nós já fizemos promessas para alguém que conhecemos numa loja, ou para um amor perdido.
Promessas são feitas a cada minuto e aqueles que as fazem não tem a mínima ideia do que ela despertou no ouvinte, da enxurrada de emoções que passou por ele enquanto tentava imaginar um jeito de responder à altura, tentando mostrar indiferença. Mas a indiferença é um assunto para um outro texto.
Deixe de prometer qualquer coisa. A vida fica mais leve, o sorriso mais aberto e o coração mais alegre. Se tiver vontade, faça. Você não precisa de promessas para conseguir algo, precisa apenas desse seu sorriso que reluz. Prometer algo sem a intenção de cumprir, é o mesmo que arrancar e despedaçar o coração do outro. Seja feliz com aquilo que você tem e é, não finja sentimentos, não faz bem a você e nem aos que lhe querem bem.
Não acenda uma chama que você não pode controlar. Como dito anteriormente, a esperança é um sentimento muito perigoso.”

- Grandini, Vitória Cristina


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Essência

"Ao abrir os olhos nessa manhã, enxerguei a imensidão que é a vida e quão pequena é minha existência.

Fechei os olhos novamente e perguntei ao universo qual o motivo de eu ter acordado hoje.

Por instantes naveguei em pensamentos, e abri os olhos novamente: estava no modo essência, logo acima do meu corpo. Observei-me de perto - eu estava chorando.

Era tão normal quando eu estava lá dentro com ele. Aqui do lado de fora parecia tão triste me ver assim. As lágrimas escorregaram pela minha bochecha, estiquei as mãos para aparar, mas minha essência não tem toque.

Vi meu corpo morder os lábios e apertar o peito. Será que eu estava sentindo minha falta?

Olhei o espaço em volta. Comecei a subir. Agora estava enxergando o telhado da minha prisão. Fui me afastando cada vez mais. Vi as ruas do bairro. Logo vi o mesmo se perdendo na grandeza da cidade. Lá estava o estado de São Paulo inteirinho. Um avião passou do meu lado, e me permiti sorrir ao deparar-me com uma menininha de olhos castanhos olhando as nuvens e gargalhando de alegria. "Ela está sabendo viver" - pensei.

Quando, por fim, decidi ficar por aqui e acabar com a dor do corpo que havia ficado lá em baixo, lembrei-me de alguém que fazia de meus nove dias tristes insignificantes quando o via.

Sorri.

Desci numa velocidade absurda, passei por dentro de um gavião, acho que ele sentiu minha presença. Estranho. Vi os prédios se aproximarem de minha visão, as ruas se formando, as bifurcações ficando nítidas.

Cheguei.

Levantei minha mão, pronto para bater naquela janela do décimo quinto andar, mas quem estivesse do outro lado não escutaria, de certo modo.

Fechei os olhos e pedi perdão aos meus princípios. Atravessei aquela parede e logo fiquei de joelhos ao lado daquela cama.

A boca dele estava um pouco aberta, sua respiração era pesada. Estava de calça jeans, por certo, estava tão cansado que nem trocou de roupa.

Continuei ajoelhado. Tentei arrumar suas sobrancelhas que estavam bagunçadas. Mas meu toque não fazia efeito. Dei um sorriso torto.

Levantei, aproximei-me da parede. Era hora de te deixar em paz. Visualizei pela última vez seu pé para fora da cama com uma meia branca quando, de repente, algo brilhou ao lado de sua cabeça. Franzi a testa e fixei meu olhar na tela do seu smartphone. Era uma notificação de mensagem no aplicativo do WhatsApp.

Se eu dependesse de respiração para continuar ali, por certo não mais estaria.

Estava confuso. Era meu nome na tela do celular. Como? Eu estava aqui.

"Acordei estranho, Vida. Parece que passei a noite num universo paralelo, mas ao mesmo tempo dependia dessa realidade aqui. Enfim, desculpa lhe mandar mensagem essa hora. Beijo".

Será que alguém estava mexendo no meu iPhone? Impossível. Era exatamente daquele jeito que eu escrevia.

Atravessei a parede e fui voando para casa. Eu queria chorar. Mas a essência não chora. Chora?

Vi o telhado e desabei como um iceberg ao lado do meu armário. O celular estava nas minhas mãos, mas meus olhos continuavam fechados.
Minha face estava banhada de lágrimas. De certo modo eu estava sofrendo lá dentro.

Deitei sobre meu corpo. Senti um tremor, sabia que estava de volta, mas continuei com meus olhos fechados.

Respirei, abri lentamente os olhos e digitei a senha do celular. Logo abaixo da minha mensagem, que tinha lido a pouco naquele apartamento, havia uma resposta:

"Ah Vida, não acordei por causa da notificação, mas, sim, porque senti sua mania besta de arrumar minha sobrancelha. Mas me conte, eu estava nesse universo paralelo?"

Respirei fundo. Eu sabia porque tinha acordado aquela manhã.
E sabia porque deveria acordar todas as outras."



- Lima, Luhran


Sobre o autor em:

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Felicidade

Você é capaz de contar quantas chances já teve de ser mais feliz?

Todos os dias. Em todos os dias da sua vida, até agora, você teve a chance de ser mais feliz.

Porque a felicidade não está nas coisas, está em você. Todas as manhãs, ao despertar, a felicidade desperta também; ao receber a consciência, a felicidade é engatilhada.

Sabendo disso, quantos tiros você já deu? Ao longo da vida, quantas vezes a felicidade na agulha de sua consciência foi disparada?

Faça isso hoje. Ela ainda está aí.

Respire fundo, sorria com seu melhor sorriso e mire para si mesma! Atire! Dispare toda essa felicidade incubada em você.

E não se preocupe em guardar um pouco para amanhã. Despeje. Derrame. Descarregue toda essa felicidade. Ao se deitar, esteja em paz: a felicidade é recarregada em você automaticamente e numa proporção completamente diferente da energia.

Sim, você pode acordar com pouca energia, mas, jamais acordará com pouca felicidade. Dispare de novo e de novo, todos os dias.

Mire em você. Sempre, mire em você. É um suicídio diário. A felicidade é um suicídio, um risco que se corre do começo ao fim da vida. O melhor risco que você pode correr! Suicide-se.

E não se preocupe com os outros. Atire felicidade em si mesma. Deixe os outros. Sabe, aqueles que estão perto o suficiente, por vezes, acabam sendo atingidos também. (Bala perdida). E, se quer saber por que não disparar nos outros, veja bem, não se trata de egoísmo. Como foi dito, a felicidade é suicídio: não é algo que se possa decidir por alguém. Além disso, se o outro estiver muito longe, você corre o risco de errar o tiro. (Bala perdida).

Todos os dias, de todos os dias da sua vida, seja mais feliz!
Com o passar do tempo, a felicidade evolui. Você evolui e evolui suas técnicas, mas não se apegue a elas. A felicidade está em você e você mudará. Todos os dias, de todos os dias da sua vida, você mudou. E mudará. A felicidade em você acompanhará.

Assim, não ache estranho se o que te fizer feliz hoje não surtir o mesmo efeito amanhã. Você evoluiu, avançou um nível e, então, sua felicidade estará mais complexa, amadurecida e forte. Aproveite!

Ela também tende a crescer. Com todos esses suicídios diários, seu ser fica limpo e renovado, propício para o crescimento. Você crescerá. A felicidade em você acompanhará.

Todos os dias, de todos os dias da sua vida, você será ainda mais feliz! Dispare! Dispare!

A felicidade não está nas coisas, está em você!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O típico garoto

Ele é o típico garoto proibido; daqueles por quem nenhuma garota devia se apaixonar, mas todas se apaixonam.
Quem pode culpá-las? É quase impossível não ser atraída pelo magnetismo que parece emanar dele, como o de um Buraco Negro, puxando tudo para perto de si.
No meu caso foi a voz: pareceu firme, decidida e cheia de verdades – inteligente até. Aquele tom grave e risonho deu a impressão de ter tanta coisa para dizer. Foi quase impossível não fixar o olhar nele e, em vez disso, contentar-me com um leve soslaio para checar de quem se tratava.
Primeiro fato: nada nele poderia ter me atraído se tivesse permanecido quieto. Alto, forte, com curvas muito bem delineadas na camiseta justa demais para seus músculos rijos. O tipo “garoto de academia” não é meu predileto; jamais teria me chamado a atenção de boca fechada. Mas manteve-a aberta, deixando fluir palavras inteligentes e organizadas, quase recitadas, sobre algum filósofo morto e sua teoria fabulosa.
Não, fabulosa não era a palavra, ao menos não para o filósofo. Fabulosa era a palavra que eu tentava evitar, enquanto voltava meu rosto cuidadosamente para a frente. Queria que parecesse natural, uma expressão contida para combater o desejo insano de ir até lá e beijá-lo, ignorando totalmente o fato de tê-lo acabado de conhecer.
Conhecer também não é uma palavra adequada. Sequer consigo pensar em alguém capaz de, de fato, chegar a conhecer um cara como ele. Nem mesmo sua mãe, imagino, seria imprudente a ponto de dizer que o conhece. Sobre esse tipo de garoto, todos limitam-se a ter vagas impressões.
O fato é: aquele garoto me intrigou.
Ah sim, intriga é uma boa palavra. Foi um alvoroço intrigante na minha cabeça. A parte do meu cérebro onde deveria habitar o senso crítico me disse “garota, esquece. Ele deve estar dizendo essas coisas bonitas porque já passou por essa aula mil vezes. É claro que ele tem capacidade de debater com o professor, afinal, já deve ter ouvido sobre cavernas tantas vezes que decorou o discurso. Não. Afaste-se. Olhe para os músculos deste cara, ele não deve ser inteligente, garotos de academia nunca são. É apenas um repetente metido a besta”. Já a parte menos racional do meu cérebro? Bem, essa aí me manteve ocupada enquanto a outra falava. Sim, eu não prestei atenção a nada do que o senso crítico me dizia. Só prestei atenção àquela voz, e às coisas que ela dizia, e à forma como se colocava. E era lindo.
No fim das contas, ele era aquele típico garoto que não faz o menor sentido. De quem você se obriga a esperar uma coisa, sabendo quase com absoluta certeza que aquela coisa não vai acontecer.
Bem, vamos em frente.
Como esperado, ele era daquele tipo de garoto que faz amizade com todos os “caras” da sala, sem fazer nada para aborrecer as meninas. Quase todo mundo gostava dele e, quem não gostava, ao menos não desgostava. Ele era daquele tipo popular, de quem os nerds não chegam perto, os esportistas adoram e os menos afortunados em beleza e inteligência admiram e tomam como meta.
Aqueles comentários sapientes, que pareciam frases decoradas após repetir a mesma aula por três ou quatro semestres, não cessaram. Pelo contrário. Como bons vinhos, ou uísques, eles foram ficando melhor com o tempo. Bem, para ser sincera, acho que comparar com estas bebidas não é apropriado. As bebidas devem ficar guardadas, armazenadas, escondidas para apurarem e chegar ao ápice de sua qualidade. Esse garoto, definitivamente, não guardava suas palavras. Em vez disso, distribuía doses homeopáticas delas, de tempos em tempos, em momentos oportunos.
Ah céus. Elas mexiam mesmo comigo. As palavras, a voz e o cabelo. Sim, o cabelo também entrou na conta das improbabilidades daquele ser. Típico. Bem típico deste tipo de garoto ter aquele cabelo espesso, lindamente desarrumado, reluzente e teimoso. Desse tipo de cabelo teimoso que cai sobre os olhos de seu detentor, obrigando-o a fazer cara de bravo, erguer os braços musculosos, passar os dedos pelos fios, levando aquela mão linda até a nuca, lentamente, suavemente, enlouquecedoramente.
Está bem, parei. Vamos voltar.
Um dia, aquele típico garoto, de quem eu fazia um esforço enorme para me manter afastada, falou comigo. Mandou uma mensagem no meu celular. E, como não é raro, eu quis que o chão se abrisse sob meus pés e que o inferno me engolisse. Porque eu merecia ser engolida pelas profundezas do tártaro.
Sou daquelas típicas garotas que entram na sala caladinhas, com os fones de ouvido no último volume, encara algum ponto no alto da parede, diz um “boa noite” em bom tom para ninguém específico e ruma impetuosa para as cadeiras do fundo. Sou sociável e, apesar disso, do tipo de garota que se envolve com quem não se envolve. Sou amiga daquele pessoal que não gosta de bagunça, que não assiste Big Brother, que fuma escondido, adora matemática e não se interessa pela diferença entre pijama e roupa de gala: vestiu, tapou, é roupa. Ou seja, sou dessas garotas que raramente se nota, que passam despercebidas, de quem só se sabe o nome porque os professores insistem em chamar.
Pois bem, eu não estava esperando ser notada, mas, minha capacidade para ser atrapalhada e inoportuna me pôs em evidência. E ele, evidentemente, me notou. E veio falar comigo. Não foi um início agradável, claro. Eu havia acabado de pagar um mico colossal diante de quase toda a classe e era sobre isso que ele queria falar, rindo de se acabar. Me chamou de “moça”, como eles sempre fazem, apesar de saberem seu nome, e me disse outras coisas que não acrescentam em nada essa estória. Definitivamente não foi um início agradável, mas, quando se trata de mim, e desse tipo de garoto, nunca é. O fato é que, a partir deste dia, toda a mística sobre ele dissolveu.
Ele ainda parece, aos meus olhos, um maromba burro e metido a besta. Ele ainda parece, aos meus ouvidos, a voz mais sexy e inteligente que já ouvi tão de perto, mas ele não se parece nada com aquele típico garoto. É claro que, como eu disse, eles fazem exatamente o que se espera deles, sempre, mesmo que você esteja se obrigando a pensar que não farão. E é claro que eu já estou meio que esperando por isso. Mas, não posso negar, ele é uma das pessoas mais sensatas com quem já perdi meia hora do meu tempo. Mais, foi muito mais que meia hora. Há tempos, desde aquele tempo, vimos perdendo muito mais que meia hora em conversas. Algumas agradáveis e instrutivas, outras desagradáveis e emocionantes, outras solutivas, outras impregnantes; várias e várias conversas sobre todo o tipo de assunto. Apesar de não esperar isso de um maromba burro, aquele garoto nada típico me apresentou sua visão de mundo e ela me pareceu tão realista, tão lógica, que me atraiu.
Já não bastasse a voz, a sapiência, o cabelo e as mãos, passei a ser admiradora da visão de mundo dele, mesmo considerando que o mundo dele é absurdamente diferente do meu, como se nem vivêssemos no mesmo planeta. Aquele garoto me pareceu muito racional, de maneira que, sob a óptica dele, viver parecia uma ida ao supermercado e, da minha, parecesse um revés psicodélico permanente no espaço-tempo.
Como o bom e velho “cara legal” que ele parecia, em algum momento, ele foi introduzido no meu círculo e amigos. Como sempre acontece com esse tipo de garoto, ele tinha assunto em comum com todo mundo. Ele joga os mesmos jogos que um, fala a mesma língua estrangeira que outro, gosta das mesmas bebidas que outro, tem habilidades que alguém ali também tem e, claro, para combinar comigo, tem problemas emocionais e de convivência social (pasmem).
Dia após dia, desde então, desde aquela fatídica conversa sobre cavernas, desde que aquela mensagem chegou ao meu telefone, desde que notei que ele tem um piercing na língua, desde que ouvi a voz dele cantar minha música predileta, desde que dividi com ele parte dos meus segredos e ouvi dele coisas que me fizeram chorar, desde que passei uma noite sem dormir porque ele não estava bem, desde que comecei e não parei mais de desejar que coisas boas acontecessem para ele, desde então, o magnetismo extrafísico daquele típico garoto não parou de me atrair para dentro dele.
Ele é aquele típico garoto completamente apaixonante, por quem não se deve apaixonar.