Um dia eu vou estar lá e você também. Num lugar qualquer, sem importância, sem motivo, sem querer.
Ou, talvez, eu planeje estar lá, você planeje estar lá. Num lugar comum para nós dois, ou num lugar qualquer para qualquer de nós. Um dia estaremos lá.
Não sei bem qual será a minha reação, ou a sua mas, com certeza reagiremos. Nós sempre reagimos um ao outro. Nem sempre de maneira positiva - o que é uma pena já que tínhamos tudo pra dar certo.
Mas não deu. Nos desencontramos, seguimos caminhos opostos, cada qual na sua marcha, no seu perambular.
Mas, quem sabe (eu não), um dia você esteja lá e eu também. Você me veja e eu veja você. Talvez eu lembre, talvez não mas, com certeza, reagiremos. Afinal de contas a indiferença também é uma reação.
Oh não, não me entenda mal. Não estou dizendo que serei indiferente a você, ainda menos que o sou agora.
Digo que talvez, veja bem, talvez seja mais difícil para mim, ou para você, se lembrar. Lá pode ser muito rápido: um relance, um flash, uma foto, um fato. Pode ser muito chato: um trato, um contrato, um contato. Então (confesse que concorda comigo) podemos simplesmente não ter tempo, paciência ou oportunidade de nos lembrar. Somente, com certeza, de reagir.
Bem, pode ser que lá demore. Por hora, fico cá com minhas lembranças, meus arrependimentos, minhas culpas, meu demônios, minhas histórias, minhas vontades, minhas crônicas...
Passe bem e até lá!
Aqui cumpro uma promessa. Prometi a meus amigos que contaria minhas histórias num livro. Cá estou eu, cá estão vocês, cá estamos nós. Sejam bem vindos!
sexta-feira, 5 de maio de 2017
Despertei real
Amanheci redundante, com um fôlego quase colérico para ser controversa.
Amanheci sedenta de palavras difíceis e de rostos contorcidos pela confusão.
Despertei em uma profusão de tratamentos essencialmente cordiais, impessoais, literários.
Por falar em literário: abri meus olhos e vi, antes de tudo, os truncamentos dos quais desviaria intencionalmente.
Hoje, acordei indisposta para o lúdico. Em vez disso, expressaria apenas o óbvio.
Ao romantismo, pedi trégua. Sei que mereço. Preterí-lo-ia em favor da pontualidade do raciocínio lógico.
Porque, hoje, me dei o direito de pensar apenas: sem emoção de qualquer tipo, sem tesão, sem vitimismo. Sem intimidade, sem luz, sem cor.
Hoje, finalmente, acordei para ficar acordada.
Amanheci sedenta de palavras difíceis e de rostos contorcidos pela confusão.
Despertei em uma profusão de tratamentos essencialmente cordiais, impessoais, literários.
Por falar em literário: abri meus olhos e vi, antes de tudo, os truncamentos dos quais desviaria intencionalmente.
Hoje, acordei indisposta para o lúdico. Em vez disso, expressaria apenas o óbvio.
Ao romantismo, pedi trégua. Sei que mereço. Preterí-lo-ia em favor da pontualidade do raciocínio lógico.
Porque, hoje, me dei o direito de pensar apenas: sem emoção de qualquer tipo, sem tesão, sem vitimismo. Sem intimidade, sem luz, sem cor.
Hoje, finalmente, acordei para ficar acordada.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
Prometer
“ Significado de Prometer
v.t.
Afirmar, verbalmente ou por
escrito (que se há de fazer, dar ou dizer alguma coisa): prometer uma
recompensa.
[Figurado] Prenunciar,
pressagiar, fazer esperar: o tempo promete chuva.
Obrigar-se a, asseverar:
prometo aparecer.
v.i.
Dar esperanças de; oferecer
probabilidades de (bom futuro): esta criança promete Muito.
Prometer
é uma responsabilidade imensa. Aqueles que recebem uma promessa enchem-se de
esperança, que também é uma coisa perigosa.
Uma
promessa pode ser feita com um olhar, um sorriso ou uma palavra. A que costuma
doer mais é a promessa que vem de uma palavra pois, ninguém espera essa
promessa, ninguém sabe lidar com ela. A esperança enche o peito do outro com
uma força arrebatadora, deixa o outro sem ar, sem chão e a única coisa que há para
segurar é a promessa. No momento em que ela é articulada em palavras, a pessoa
deixa de perceber a verdadeira intenção do outro, deixa de perceber os olhos
brincalhões, o sorriso cético e os trejeitos debochados, desconecta-se de tudo
aquilo que soa como um alarme aos olhos de um espectador atento.
As
promessas podem parecer bobagens para aqueles que as faz, mas, nunca será
bobagem para aqueles que a ouvem. Isso deixa a o ouvinte em um estado de
torpor, leveza, alegria e ansiedade.
Uma
promessa feita como que sem querer, ou com carinho, têm sim o poder de deixar
alguém feliz, por dias, anos, até que esse alguém entenda que essas promessas
não são nada mais que uma frase qualquer, dita na empolgação de uma boa
conversa, ou na tentativa desesperada de mudar de assunto. Todos nós já fizemos
promessas para alguém que conhecemos numa loja, ou para um amor perdido.
Promessas
são feitas a cada minuto e aqueles que as fazem não tem a mínima ideia do que
ela despertou no ouvinte, da enxurrada de emoções que passou por ele enquanto
tentava imaginar um jeito de responder à altura, tentando mostrar indiferença. Mas
a indiferença é um assunto para um outro texto.
Deixe
de prometer qualquer coisa. A vida fica mais leve, o sorriso mais aberto e o coração
mais alegre. Se tiver vontade, faça. Você não precisa de promessas para
conseguir algo, precisa apenas desse seu sorriso que reluz. Prometer algo sem a
intenção de cumprir, é o mesmo que arrancar e despedaçar o coração do outro. Seja
feliz com aquilo que você tem e é, não finja sentimentos, não faz bem a você e
nem aos que lhe querem bem.
Não
acenda uma chama que você não pode controlar. Como dito anteriormente, a
esperança é um sentimento muito perigoso.”
- Grandini, Vitória Cristina
Mais conteúdo da autora em
Essência
"Ao abrir os olhos nessa
manhã, enxerguei a imensidão que é a vida e quão pequena é minha existência.
Fechei os olhos novamente e
perguntei ao universo qual o motivo de eu ter acordado hoje.
Por instantes naveguei em
pensamentos, e abri os olhos novamente: estava no modo essência, logo acima do
meu corpo. Observei-me de perto - eu estava chorando.
Era tão normal quando eu estava
lá dentro com ele. Aqui do lado de fora parecia tão triste me ver assim. As
lágrimas escorregaram pela minha bochecha, estiquei as mãos para aparar, mas
minha essência não tem toque.
Vi meu corpo morder os lábios e
apertar o peito. Será que eu estava sentindo minha falta?
Olhei o espaço em volta. Comecei
a subir. Agora estava enxergando o telhado da minha prisão. Fui me afastando
cada vez mais. Vi as ruas do bairro. Logo vi o mesmo se perdendo na grandeza da
cidade. Lá estava o estado de São Paulo inteirinho. Um avião passou do meu
lado, e me permiti sorrir ao deparar-me com uma menininha de olhos castanhos
olhando as nuvens e gargalhando de alegria. "Ela está sabendo viver"
- pensei.
Quando, por fim, decidi ficar
por aqui e acabar com a dor do corpo que havia ficado lá em baixo, lembrei-me
de alguém que fazia de meus nove dias tristes insignificantes quando o via.
Sorri.
Desci numa velocidade absurda,
passei por dentro de um gavião, acho que ele sentiu minha presença. Estranho.
Vi os prédios se aproximarem de minha visão, as ruas se formando, as
bifurcações ficando nítidas.
Cheguei.
Levantei minha mão, pronto para
bater naquela janela do décimo quinto andar, mas quem estivesse do outro lado
não escutaria, de certo modo.
Fechei os olhos e pedi perdão
aos meus princípios. Atravessei aquela parede e logo fiquei de joelhos ao lado
daquela cama.
A boca dele estava um pouco
aberta, sua respiração era pesada. Estava de calça jeans, por certo, estava tão
cansado que nem trocou de roupa.
Continuei ajoelhado. Tentei
arrumar suas sobrancelhas que estavam bagunçadas. Mas meu toque não fazia
efeito. Dei um sorriso torto.
Levantei, aproximei-me da
parede. Era hora de te deixar em paz. Visualizei pela última vez seu pé para
fora da cama com uma meia branca quando, de repente, algo brilhou ao lado de
sua cabeça. Franzi a testa e fixei meu olhar na tela do seu smartphone. Era uma
notificação de mensagem no aplicativo do WhatsApp.
Se eu dependesse de respiração
para continuar ali, por certo não mais estaria.
Estava confuso. Era meu nome na
tela do celular. Como? Eu estava aqui.
"Acordei estranho, Vida.
Parece que passei a noite num universo paralelo, mas ao mesmo tempo dependia
dessa realidade aqui. Enfim, desculpa lhe mandar mensagem essa hora.
Beijo".
Será que alguém estava mexendo
no meu iPhone? Impossível. Era exatamente daquele jeito que eu escrevia.
Atravessei a parede e fui voando
para casa. Eu queria chorar. Mas a essência não chora. Chora?
Vi o telhado e desabei como um
iceberg ao lado do meu armário. O celular estava nas minhas mãos, mas meus
olhos continuavam fechados.
Minha face estava banhada de
lágrimas. De certo modo eu estava sofrendo lá dentro.
Deitei sobre meu corpo. Senti um
tremor, sabia que estava de volta, mas continuei com meus olhos fechados.
Respirei, abri lentamente os
olhos e digitei a senha do celular. Logo abaixo da minha mensagem, que tinha
lido a pouco naquele apartamento, havia uma resposta:
"Ah Vida, não acordei por
causa da notificação, mas, sim, porque senti sua mania besta de arrumar minha
sobrancelha. Mas me conte, eu estava nesse universo paralelo?"
Respirei fundo. Eu sabia porque
tinha acordado aquela manhã.
E sabia porque deveria acordar
todas as outras."
- Lima, Luhran
Sobre o autor em:
FACEBOOK:
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INSTAGRAN: @luhranlima
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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Felicidade
Você é capaz de contar quantas
chances já teve de ser mais feliz?
Todos os dias. Em todos os dias
da sua vida, até agora, você teve a chance de ser mais feliz.
Porque a felicidade não está nas
coisas, está em você. Todas as manhãs, ao despertar, a felicidade desperta
também; ao receber a consciência, a felicidade é engatilhada.
Sabendo disso, quantos tiros
você já deu? Ao longo da vida, quantas vezes a felicidade na agulha de sua
consciência foi disparada?
Faça isso hoje. Ela ainda está
aí.
Respire fundo, sorria com seu
melhor sorriso e mire para si mesma! Atire! Dispare toda essa felicidade
incubada em você.
E não se preocupe em guardar um
pouco para amanhã. Despeje. Derrame. Descarregue toda essa felicidade. Ao se
deitar, esteja em paz: a felicidade é recarregada em você automaticamente e
numa proporção completamente diferente da energia.
Sim, você pode acordar com pouca
energia, mas, jamais acordará com pouca felicidade. Dispare de novo e de novo,
todos os dias.
Mire em você. Sempre, mire em
você. É um suicídio diário. A felicidade é um suicídio, um risco que se corre
do começo ao fim da vida. O melhor risco que você pode correr! Suicide-se.
E não se preocupe com os outros.
Atire felicidade em si mesma. Deixe os outros. Sabe, aqueles que estão perto o
suficiente, por vezes, acabam sendo atingidos também. (Bala perdida). E, se
quer saber por que não disparar nos outros, veja bem, não se trata de egoísmo. Como
foi dito, a felicidade é suicídio: não é algo que se possa decidir por alguém.
Além disso, se o outro estiver muito longe, você corre o risco de errar o tiro.
(Bala perdida).
Todos os dias, de todos os dias
da sua vida, seja mais feliz!
Com o passar do tempo, a
felicidade evolui. Você evolui e evolui suas técnicas, mas não se apegue a
elas. A felicidade está em você e você mudará. Todos os dias, de todos os dias
da sua vida, você mudou. E mudará. A felicidade em você acompanhará.
Assim, não ache estranho se o
que te fizer feliz hoje não surtir o mesmo efeito amanhã. Você evoluiu, avançou
um nível e, então, sua felicidade estará mais complexa, amadurecida e forte.
Aproveite!
Ela também tende a crescer. Com
todos esses suicídios diários, seu ser fica limpo e renovado, propício para o
crescimento. Você crescerá. A felicidade em você acompanhará.
Todos os dias, de todos os dias
da sua vida, você será ainda mais feliz! Dispare! Dispare!
A felicidade não está nas
coisas, está em você!
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
O típico garoto
Ele
é o típico garoto proibido; daqueles por quem nenhuma garota devia se
apaixonar, mas todas se apaixonam.
Quem
pode culpá-las? É quase impossível não ser atraída pelo magnetismo que parece
emanar dele, como o de um Buraco Negro, puxando tudo para perto de si.
No
meu caso foi a voz: pareceu firme, decidida e cheia de verdades – inteligente
até. Aquele tom grave e risonho deu a impressão de ter tanta coisa para dizer.
Foi quase impossível não fixar o olhar nele e, em vez disso, contentar-me com
um leve soslaio para checar de quem se tratava.
Primeiro
fato: nada nele poderia ter me atraído se tivesse permanecido quieto. Alto,
forte, com curvas muito bem delineadas na camiseta justa demais para seus
músculos rijos. O tipo “garoto de academia” não é meu predileto; jamais teria
me chamado a atenção de boca fechada. Mas manteve-a aberta, deixando fluir
palavras inteligentes e organizadas, quase recitadas, sobre algum filósofo
morto e sua teoria fabulosa.
Não,
fabulosa não era a palavra, ao menos não para o filósofo. Fabulosa era a
palavra que eu tentava evitar, enquanto voltava meu rosto cuidadosamente para a
frente. Queria que parecesse natural, uma expressão contida para combater o
desejo insano de ir até lá e beijá-lo, ignorando totalmente o fato de tê-lo
acabado de conhecer.
Conhecer
também não é uma palavra adequada. Sequer consigo pensar em alguém capaz de, de
fato, chegar a conhecer um cara como ele. Nem mesmo sua mãe, imagino, seria
imprudente a ponto de dizer que o conhece. Sobre esse tipo de garoto, todos
limitam-se a ter vagas impressões.
O
fato é: aquele garoto me intrigou.
Ah
sim, intriga é uma boa palavra. Foi um alvoroço intrigante na minha cabeça. A
parte do meu cérebro onde deveria habitar o senso crítico me disse “garota,
esquece. Ele deve estar dizendo essas coisas bonitas porque já passou por essa
aula mil vezes. É claro que ele tem capacidade de debater com o professor,
afinal, já deve ter ouvido sobre cavernas tantas vezes que decorou o discurso.
Não. Afaste-se. Olhe para os músculos deste cara, ele não deve ser inteligente,
garotos de academia nunca são. É apenas um repetente metido a besta”. Já a
parte menos racional do meu cérebro? Bem, essa aí me manteve ocupada enquanto a
outra falava. Sim, eu não prestei atenção a nada do que o senso crítico me
dizia. Só prestei atenção àquela voz, e às coisas que ela dizia, e à forma como
se colocava. E era lindo.
No
fim das contas, ele era aquele típico garoto que não faz o menor sentido. De
quem você se obriga a esperar uma coisa, sabendo quase com absoluta certeza que
aquela coisa não vai acontecer.
Bem,
vamos em frente.
Como
esperado, ele era daquele tipo de garoto que faz amizade com todos os “caras”
da sala, sem fazer nada para aborrecer as meninas. Quase todo mundo gostava
dele e, quem não gostava, ao menos não desgostava. Ele era daquele tipo
popular, de quem os nerds não chegam perto, os esportistas adoram e os menos
afortunados em beleza e inteligência admiram e tomam como meta.
Aqueles
comentários sapientes, que pareciam frases decoradas após repetir a mesma aula
por três ou quatro semestres, não cessaram. Pelo contrário. Como bons vinhos,
ou uísques, eles foram ficando melhor com o tempo. Bem, para ser sincera, acho
que comparar com estas bebidas não é apropriado. As bebidas devem ficar
guardadas, armazenadas, escondidas para apurarem e chegar ao ápice de sua
qualidade. Esse garoto, definitivamente, não guardava suas palavras. Em vez
disso, distribuía doses homeopáticas delas, de tempos em tempos, em momentos
oportunos.
Ah
céus. Elas mexiam mesmo comigo. As palavras, a voz e o cabelo. Sim, o cabelo
também entrou na conta das improbabilidades daquele ser. Típico. Bem típico
deste tipo de garoto ter aquele cabelo espesso, lindamente desarrumado,
reluzente e teimoso. Desse tipo de cabelo teimoso que cai sobre os olhos de seu
detentor, obrigando-o a fazer cara de bravo, erguer os braços musculosos,
passar os dedos pelos fios, levando aquela mão linda até a nuca, lentamente,
suavemente, enlouquecedoramente.
Está
bem, parei. Vamos voltar.
Um
dia, aquele típico garoto, de quem eu fazia um esforço enorme para me manter
afastada, falou comigo. Mandou uma mensagem no meu celular. E, como não é raro,
eu quis que o chão se abrisse sob meus pés e que o inferno me engolisse. Porque
eu merecia ser engolida pelas profundezas do tártaro.
Sou
daquelas típicas garotas que entram na sala caladinhas, com os fones de ouvido
no último volume, encara algum ponto no alto da parede, diz um “boa noite” em
bom tom para ninguém específico e ruma impetuosa para as cadeiras do fundo. Sou
sociável e, apesar disso, do tipo de garota que se envolve com quem não se
envolve. Sou amiga daquele pessoal que não gosta de bagunça, que não assiste
Big Brother, que fuma escondido, adora matemática e não se interessa pela
diferença entre pijama e roupa de gala: vestiu, tapou, é roupa. Ou seja, sou
dessas garotas que raramente se nota, que passam despercebidas, de quem só se
sabe o nome porque os professores insistem em chamar.
Pois
bem, eu não estava esperando ser notada, mas, minha capacidade para ser
atrapalhada e inoportuna me pôs em evidência. E ele, evidentemente, me notou. E
veio falar comigo. Não foi um início agradável, claro. Eu havia acabado de
pagar um mico colossal diante de quase toda a classe e era sobre isso que ele
queria falar, rindo de se acabar. Me chamou de “moça”, como eles sempre fazem,
apesar de saberem seu nome, e me disse outras coisas que não acrescentam em
nada essa estória. Definitivamente não foi um início agradável, mas, quando se
trata de mim, e desse tipo de garoto, nunca é. O fato é que, a partir deste
dia, toda a mística sobre ele dissolveu.
Ele
ainda parece, aos meus olhos, um maromba burro e metido a besta. Ele ainda
parece, aos meus ouvidos, a voz mais sexy e inteligente que já ouvi tão de
perto, mas ele não se parece nada com aquele típico garoto. É claro que, como
eu disse, eles fazem exatamente o que se espera deles, sempre, mesmo que você
esteja se obrigando a pensar que não farão. E é claro que eu já estou meio que
esperando por isso. Mas, não posso negar, ele é uma das pessoas mais sensatas
com quem já perdi meia hora do meu tempo. Mais, foi muito mais que meia hora.
Há tempos, desde aquele tempo, vimos perdendo muito mais que meia hora em
conversas. Algumas agradáveis e instrutivas, outras desagradáveis e
emocionantes, outras solutivas, outras impregnantes; várias e várias conversas
sobre todo o tipo de assunto. Apesar de não esperar isso de um maromba burro,
aquele garoto nada típico me apresentou sua visão de mundo e ela me pareceu tão
realista, tão lógica, que me atraiu.
Já
não bastasse a voz, a sapiência, o cabelo e as mãos, passei a ser admiradora da
visão de mundo dele, mesmo considerando que o mundo dele é absurdamente
diferente do meu, como se nem vivêssemos no mesmo planeta. Aquele garoto me
pareceu muito racional, de maneira que, sob a óptica dele, viver parecia uma
ida ao supermercado e, da minha, parecesse um revés psicodélico permanente no
espaço-tempo.
Como
o bom e velho “cara legal” que ele parecia, em algum momento, ele foi
introduzido no meu círculo e amigos. Como sempre acontece com esse tipo de
garoto, ele tinha assunto em comum com todo mundo. Ele joga os mesmos jogos que
um, fala a mesma língua estrangeira que outro, gosta das mesmas bebidas que
outro, tem habilidades que alguém ali também tem e, claro, para combinar
comigo, tem problemas emocionais e de convivência social (pasmem).
Dia
após dia, desde então, desde aquela fatídica conversa sobre cavernas, desde que
aquela mensagem chegou ao meu telefone, desde que notei que ele tem um piercing
na língua, desde que ouvi a voz dele cantar minha música predileta, desde que
dividi com ele parte dos meus segredos e ouvi dele coisas que me fizeram chorar,
desde que passei uma noite sem dormir porque ele não estava bem, desde que
comecei e não parei mais de desejar que coisas boas acontecessem para ele,
desde então, o magnetismo extrafísico daquele típico garoto não parou de me
atrair para dentro dele.
Ele é aquele típico garoto completamente apaixonante, por quem não se deve apaixonar.
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