Ele
é o típico garoto proibido; daqueles por quem nenhuma garota devia se
apaixonar, mas todas se apaixonam.
Quem
pode culpá-las? É quase impossível não ser atraída pelo magnetismo que parece
emanar dele, como o de um Buraco Negro, puxando tudo para perto de si.
No
meu caso foi a voz: pareceu firme, decidida e cheia de verdades – inteligente
até. Aquele tom grave e risonho deu a impressão de ter tanta coisa para dizer.
Foi quase impossível não fixar o olhar nele e, em vez disso, contentar-me com
um leve soslaio para checar de quem se tratava.
Primeiro
fato: nada nele poderia ter me atraído se tivesse permanecido quieto. Alto,
forte, com curvas muito bem delineadas na camiseta justa demais para seus
músculos rijos. O tipo “garoto de academia” não é meu predileto; jamais teria
me chamado a atenção de boca fechada. Mas manteve-a aberta, deixando fluir
palavras inteligentes e organizadas, quase recitadas, sobre algum filósofo
morto e sua teoria fabulosa.
Não,
fabulosa não era a palavra, ao menos não para o filósofo. Fabulosa era a
palavra que eu tentava evitar, enquanto voltava meu rosto cuidadosamente para a
frente. Queria que parecesse natural, uma expressão contida para combater o
desejo insano de ir até lá e beijá-lo, ignorando totalmente o fato de tê-lo
acabado de conhecer.
Conhecer
também não é uma palavra adequada. Sequer consigo pensar em alguém capaz de, de
fato, chegar a conhecer um cara como ele. Nem mesmo sua mãe, imagino, seria
imprudente a ponto de dizer que o conhece. Sobre esse tipo de garoto, todos
limitam-se a ter vagas impressões.
O
fato é: aquele garoto me intrigou.
Ah
sim, intriga é uma boa palavra. Foi um alvoroço intrigante na minha cabeça. A
parte do meu cérebro onde deveria habitar o senso crítico me disse “garota,
esquece. Ele deve estar dizendo essas coisas bonitas porque já passou por essa
aula mil vezes. É claro que ele tem capacidade de debater com o professor,
afinal, já deve ter ouvido sobre cavernas tantas vezes que decorou o discurso.
Não. Afaste-se. Olhe para os músculos deste cara, ele não deve ser inteligente,
garotos de academia nunca são. É apenas um repetente metido a besta”. Já a
parte menos racional do meu cérebro? Bem, essa aí me manteve ocupada enquanto a
outra falava. Sim, eu não prestei atenção a nada do que o senso crítico me
dizia. Só prestei atenção àquela voz, e às coisas que ela dizia, e à forma como
se colocava. E era lindo.
No
fim das contas, ele era aquele típico garoto que não faz o menor sentido. De
quem você se obriga a esperar uma coisa, sabendo quase com absoluta certeza que
aquela coisa não vai acontecer.
Bem,
vamos em frente.
Como
esperado, ele era daquele tipo de garoto que faz amizade com todos os “caras”
da sala, sem fazer nada para aborrecer as meninas. Quase todo mundo gostava
dele e, quem não gostava, ao menos não desgostava. Ele era daquele tipo
popular, de quem os nerds não chegam perto, os esportistas adoram e os menos
afortunados em beleza e inteligência admiram e tomam como meta.
Aqueles
comentários sapientes, que pareciam frases decoradas após repetir a mesma aula
por três ou quatro semestres, não cessaram. Pelo contrário. Como bons vinhos,
ou uísques, eles foram ficando melhor com o tempo. Bem, para ser sincera, acho
que comparar com estas bebidas não é apropriado. As bebidas devem ficar
guardadas, armazenadas, escondidas para apurarem e chegar ao ápice de sua
qualidade. Esse garoto, definitivamente, não guardava suas palavras. Em vez
disso, distribuía doses homeopáticas delas, de tempos em tempos, em momentos
oportunos.
Ah
céus. Elas mexiam mesmo comigo. As palavras, a voz e o cabelo. Sim, o cabelo
também entrou na conta das improbabilidades daquele ser. Típico. Bem típico
deste tipo de garoto ter aquele cabelo espesso, lindamente desarrumado,
reluzente e teimoso. Desse tipo de cabelo teimoso que cai sobre os olhos de seu
detentor, obrigando-o a fazer cara de bravo, erguer os braços musculosos,
passar os dedos pelos fios, levando aquela mão linda até a nuca, lentamente,
suavemente, enlouquecedoramente.
Está
bem, parei. Vamos voltar.
Um
dia, aquele típico garoto, de quem eu fazia um esforço enorme para me manter
afastada, falou comigo. Mandou uma mensagem no meu celular. E, como não é raro,
eu quis que o chão se abrisse sob meus pés e que o inferno me engolisse. Porque
eu merecia ser engolida pelas profundezas do tártaro.
Sou
daquelas típicas garotas que entram na sala caladinhas, com os fones de ouvido
no último volume, encara algum ponto no alto da parede, diz um “boa noite” em
bom tom para ninguém específico e ruma impetuosa para as cadeiras do fundo. Sou
sociável e, apesar disso, do tipo de garota que se envolve com quem não se
envolve. Sou amiga daquele pessoal que não gosta de bagunça, que não assiste
Big Brother, que fuma escondido, adora matemática e não se interessa pela
diferença entre pijama e roupa de gala: vestiu, tapou, é roupa. Ou seja, sou
dessas garotas que raramente se nota, que passam despercebidas, de quem só se
sabe o nome porque os professores insistem em chamar.
Pois
bem, eu não estava esperando ser notada, mas, minha capacidade para ser
atrapalhada e inoportuna me pôs em evidência. E ele, evidentemente, me notou. E
veio falar comigo. Não foi um início agradável, claro. Eu havia acabado de
pagar um mico colossal diante de quase toda a classe e era sobre isso que ele
queria falar, rindo de se acabar. Me chamou de “moça”, como eles sempre fazem,
apesar de saberem seu nome, e me disse outras coisas que não acrescentam em
nada essa estória. Definitivamente não foi um início agradável, mas, quando se
trata de mim, e desse tipo de garoto, nunca é. O fato é que, a partir deste
dia, toda a mística sobre ele dissolveu.
Ele
ainda parece, aos meus olhos, um maromba burro e metido a besta. Ele ainda
parece, aos meus ouvidos, a voz mais sexy e inteligente que já ouvi tão de
perto, mas ele não se parece nada com aquele típico garoto. É claro que, como
eu disse, eles fazem exatamente o que se espera deles, sempre, mesmo que você
esteja se obrigando a pensar que não farão. E é claro que eu já estou meio que
esperando por isso. Mas, não posso negar, ele é uma das pessoas mais sensatas
com quem já perdi meia hora do meu tempo. Mais, foi muito mais que meia hora.
Há tempos, desde aquele tempo, vimos perdendo muito mais que meia hora em
conversas. Algumas agradáveis e instrutivas, outras desagradáveis e
emocionantes, outras solutivas, outras impregnantes; várias e várias conversas
sobre todo o tipo de assunto. Apesar de não esperar isso de um maromba burro,
aquele garoto nada típico me apresentou sua visão de mundo e ela me pareceu tão
realista, tão lógica, que me atraiu.
Já
não bastasse a voz, a sapiência, o cabelo e as mãos, passei a ser admiradora da
visão de mundo dele, mesmo considerando que o mundo dele é absurdamente
diferente do meu, como se nem vivêssemos no mesmo planeta. Aquele garoto me
pareceu muito racional, de maneira que, sob a óptica dele, viver parecia uma
ida ao supermercado e, da minha, parecesse um revés psicodélico permanente no
espaço-tempo.
Como
o bom e velho “cara legal” que ele parecia, em algum momento, ele foi
introduzido no meu círculo e amigos. Como sempre acontece com esse tipo de
garoto, ele tinha assunto em comum com todo mundo. Ele joga os mesmos jogos que
um, fala a mesma língua estrangeira que outro, gosta das mesmas bebidas que
outro, tem habilidades que alguém ali também tem e, claro, para combinar
comigo, tem problemas emocionais e de convivência social (pasmem).
Dia
após dia, desde então, desde aquela fatídica conversa sobre cavernas, desde que
aquela mensagem chegou ao meu telefone, desde que notei que ele tem um piercing
na língua, desde que ouvi a voz dele cantar minha música predileta, desde que
dividi com ele parte dos meus segredos e ouvi dele coisas que me fizeram chorar,
desde que passei uma noite sem dormir porque ele não estava bem, desde que
comecei e não parei mais de desejar que coisas boas acontecessem para ele,
desde então, o magnetismo extrafísico daquele típico garoto não parou de me
atrair para dentro dele.
Ele é aquele típico garoto completamente apaixonante, por quem não se deve apaixonar.
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