sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O típico garoto

Ele é o típico garoto proibido; daqueles por quem nenhuma garota devia se apaixonar, mas todas se apaixonam.
Quem pode culpá-las? É quase impossível não ser atraída pelo magnetismo que parece emanar dele, como o de um Buraco Negro, puxando tudo para perto de si.
No meu caso foi a voz: pareceu firme, decidida e cheia de verdades – inteligente até. Aquele tom grave e risonho deu a impressão de ter tanta coisa para dizer. Foi quase impossível não fixar o olhar nele e, em vez disso, contentar-me com um leve soslaio para checar de quem se tratava.
Primeiro fato: nada nele poderia ter me atraído se tivesse permanecido quieto. Alto, forte, com curvas muito bem delineadas na camiseta justa demais para seus músculos rijos. O tipo “garoto de academia” não é meu predileto; jamais teria me chamado a atenção de boca fechada. Mas manteve-a aberta, deixando fluir palavras inteligentes e organizadas, quase recitadas, sobre algum filósofo morto e sua teoria fabulosa.
Não, fabulosa não era a palavra, ao menos não para o filósofo. Fabulosa era a palavra que eu tentava evitar, enquanto voltava meu rosto cuidadosamente para a frente. Queria que parecesse natural, uma expressão contida para combater o desejo insano de ir até lá e beijá-lo, ignorando totalmente o fato de tê-lo acabado de conhecer.
Conhecer também não é uma palavra adequada. Sequer consigo pensar em alguém capaz de, de fato, chegar a conhecer um cara como ele. Nem mesmo sua mãe, imagino, seria imprudente a ponto de dizer que o conhece. Sobre esse tipo de garoto, todos limitam-se a ter vagas impressões.
O fato é: aquele garoto me intrigou.
Ah sim, intriga é uma boa palavra. Foi um alvoroço intrigante na minha cabeça. A parte do meu cérebro onde deveria habitar o senso crítico me disse “garota, esquece. Ele deve estar dizendo essas coisas bonitas porque já passou por essa aula mil vezes. É claro que ele tem capacidade de debater com o professor, afinal, já deve ter ouvido sobre cavernas tantas vezes que decorou o discurso. Não. Afaste-se. Olhe para os músculos deste cara, ele não deve ser inteligente, garotos de academia nunca são. É apenas um repetente metido a besta”. Já a parte menos racional do meu cérebro? Bem, essa aí me manteve ocupada enquanto a outra falava. Sim, eu não prestei atenção a nada do que o senso crítico me dizia. Só prestei atenção àquela voz, e às coisas que ela dizia, e à forma como se colocava. E era lindo.
No fim das contas, ele era aquele típico garoto que não faz o menor sentido. De quem você se obriga a esperar uma coisa, sabendo quase com absoluta certeza que aquela coisa não vai acontecer.
Bem, vamos em frente.
Como esperado, ele era daquele tipo de garoto que faz amizade com todos os “caras” da sala, sem fazer nada para aborrecer as meninas. Quase todo mundo gostava dele e, quem não gostava, ao menos não desgostava. Ele era daquele tipo popular, de quem os nerds não chegam perto, os esportistas adoram e os menos afortunados em beleza e inteligência admiram e tomam como meta.
Aqueles comentários sapientes, que pareciam frases decoradas após repetir a mesma aula por três ou quatro semestres, não cessaram. Pelo contrário. Como bons vinhos, ou uísques, eles foram ficando melhor com o tempo. Bem, para ser sincera, acho que comparar com estas bebidas não é apropriado. As bebidas devem ficar guardadas, armazenadas, escondidas para apurarem e chegar ao ápice de sua qualidade. Esse garoto, definitivamente, não guardava suas palavras. Em vez disso, distribuía doses homeopáticas delas, de tempos em tempos, em momentos oportunos.
Ah céus. Elas mexiam mesmo comigo. As palavras, a voz e o cabelo. Sim, o cabelo também entrou na conta das improbabilidades daquele ser. Típico. Bem típico deste tipo de garoto ter aquele cabelo espesso, lindamente desarrumado, reluzente e teimoso. Desse tipo de cabelo teimoso que cai sobre os olhos de seu detentor, obrigando-o a fazer cara de bravo, erguer os braços musculosos, passar os dedos pelos fios, levando aquela mão linda até a nuca, lentamente, suavemente, enlouquecedoramente.
Está bem, parei. Vamos voltar.
Um dia, aquele típico garoto, de quem eu fazia um esforço enorme para me manter afastada, falou comigo. Mandou uma mensagem no meu celular. E, como não é raro, eu quis que o chão se abrisse sob meus pés e que o inferno me engolisse. Porque eu merecia ser engolida pelas profundezas do tártaro.
Sou daquelas típicas garotas que entram na sala caladinhas, com os fones de ouvido no último volume, encara algum ponto no alto da parede, diz um “boa noite” em bom tom para ninguém específico e ruma impetuosa para as cadeiras do fundo. Sou sociável e, apesar disso, do tipo de garota que se envolve com quem não se envolve. Sou amiga daquele pessoal que não gosta de bagunça, que não assiste Big Brother, que fuma escondido, adora matemática e não se interessa pela diferença entre pijama e roupa de gala: vestiu, tapou, é roupa. Ou seja, sou dessas garotas que raramente se nota, que passam despercebidas, de quem só se sabe o nome porque os professores insistem em chamar.
Pois bem, eu não estava esperando ser notada, mas, minha capacidade para ser atrapalhada e inoportuna me pôs em evidência. E ele, evidentemente, me notou. E veio falar comigo. Não foi um início agradável, claro. Eu havia acabado de pagar um mico colossal diante de quase toda a classe e era sobre isso que ele queria falar, rindo de se acabar. Me chamou de “moça”, como eles sempre fazem, apesar de saberem seu nome, e me disse outras coisas que não acrescentam em nada essa estória. Definitivamente não foi um início agradável, mas, quando se trata de mim, e desse tipo de garoto, nunca é. O fato é que, a partir deste dia, toda a mística sobre ele dissolveu.
Ele ainda parece, aos meus olhos, um maromba burro e metido a besta. Ele ainda parece, aos meus ouvidos, a voz mais sexy e inteligente que já ouvi tão de perto, mas ele não se parece nada com aquele típico garoto. É claro que, como eu disse, eles fazem exatamente o que se espera deles, sempre, mesmo que você esteja se obrigando a pensar que não farão. E é claro que eu já estou meio que esperando por isso. Mas, não posso negar, ele é uma das pessoas mais sensatas com quem já perdi meia hora do meu tempo. Mais, foi muito mais que meia hora. Há tempos, desde aquele tempo, vimos perdendo muito mais que meia hora em conversas. Algumas agradáveis e instrutivas, outras desagradáveis e emocionantes, outras solutivas, outras impregnantes; várias e várias conversas sobre todo o tipo de assunto. Apesar de não esperar isso de um maromba burro, aquele garoto nada típico me apresentou sua visão de mundo e ela me pareceu tão realista, tão lógica, que me atraiu.
Já não bastasse a voz, a sapiência, o cabelo e as mãos, passei a ser admiradora da visão de mundo dele, mesmo considerando que o mundo dele é absurdamente diferente do meu, como se nem vivêssemos no mesmo planeta. Aquele garoto me pareceu muito racional, de maneira que, sob a óptica dele, viver parecia uma ida ao supermercado e, da minha, parecesse um revés psicodélico permanente no espaço-tempo.
Como o bom e velho “cara legal” que ele parecia, em algum momento, ele foi introduzido no meu círculo e amigos. Como sempre acontece com esse tipo de garoto, ele tinha assunto em comum com todo mundo. Ele joga os mesmos jogos que um, fala a mesma língua estrangeira que outro, gosta das mesmas bebidas que outro, tem habilidades que alguém ali também tem e, claro, para combinar comigo, tem problemas emocionais e de convivência social (pasmem).
Dia após dia, desde então, desde aquela fatídica conversa sobre cavernas, desde que aquela mensagem chegou ao meu telefone, desde que notei que ele tem um piercing na língua, desde que ouvi a voz dele cantar minha música predileta, desde que dividi com ele parte dos meus segredos e ouvi dele coisas que me fizeram chorar, desde que passei uma noite sem dormir porque ele não estava bem, desde que comecei e não parei mais de desejar que coisas boas acontecessem para ele, desde então, o magnetismo extrafísico daquele típico garoto não parou de me atrair para dentro dele.
Ele é aquele típico garoto completamente apaixonante, por quem não se deve apaixonar.

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